Nos primeiros séculos do Cristianismo, o título “Papa” (do grego pappas, que significa “pai”) não era exclusivo do Bispo de Roma. O termo era usado de forma geral para líderes religiosos, e os Bispos de Roma não se viam como monarcas ou governantes universais da Igreja.
A ideia de que o Bispo de Roma possuía autoridade especial sobre os demais bispos começou a se desenvolver ao longo dos séculos, especialmente com figuras como Clemente I (88-97), que escreveu uma carta à igreja de Corinto intervindo em uma disputa e, com isso, demonstrando certa autoridade; Vítor I (189-199), que tentou impor uma data única para a celebração da Páscoa em toda a Igreja; e Leão I, o Grande (440-461), que consolidou a doutrina do primado do Bispo de Roma.
Os fatos demonstram que os primeiros bispos de Roma não tinham a visão moderna do papado como conhecemos hoje, nem tampouco a igreja chamada de universal (do grego, katholiké) naquela época era a mesma instituição conhecida hoje como Igreja Católica Apostólica Romana, surgida após a aliança com o Império.
Naquela época os primeiros bispos de Roma eram escolhidos por consenso entre os presbíteros (anciãos/líderes locais) e os fiéis. Não havia um colégio de cardeais como hoje.
Após a interferência imperial com Constantino e a consequente legalização do Cristianismo em 313 (Édito de Milão), os imperadores começaram a influenciar a escolha dos papas, aprovando ou rejeitando candidatos.
Um exemplo dessa interferência foi o caso do Papa Libério (352-366). O imperador Constâncio II, simpatizante do arianismo, não gostava de Libério, que defendia a ortodoxia cristã contra essa doutrina. Em 355, Constâncio exilou Libério e impôs Félix II como papa. No entanto, a população não aceitou Félix II e permaneceu fiel a Libério. Após a morte de Constâncio, Libério retornou e reassumiu o trono papal.
Os primeiros Bispos de Roma foram esses:
Papado Primitivo (1º – 5º século)
- Pedro (c. 30–67)
- Lino (67–76)
- Anacleto (ou Cleto) (76–88)
- Clemente I (88–97)
- Evaristo (97–105)
- Alexandre I (105–115)
- Sisto I (115–125)
- Telesforo (125–136)
- Higino (136–140)
- Pio I (140–155)
- Aniceto (155–166)
- Sotero (166–175)
- Eleutério (175–189)
- Vítor I (189–199)
- Zeferino (199–217)
- Calisto I (217–222)
- Urbano I (222–230)
- Ponciano (230–235)
- Antero (235–236)
- Fabiano (236–250)
- Cornélio (251–253)
- Lúcio I (253–254)
- Estêvão I (254–257)
- Sisto II (257–258)
- Dionísio (259–268)
- Félix I (269–274)
- Eutiquiano (275–283)
- Caio (283–296)
- Marcelino (296–304)
- Marcelo I (308–309)
- Eusébio (309–310)
- Melquíades (311–314)
- Silvestre I (314–335)
- Marcos (336)
- Júlio I (337–352)
- Libério (352–366)
- Dâmaso I (366–384)
- Sirício (384–399)
- Anastácio I (399–401)
- Inocêncio I (401–417)
- Zósimo (417–418)
- Bonifácio I (418–422)
- Celestino I (422–432)
- Sisto III (432–440)
- Leão I (Magno) (440–461)
Leão I, o Grande (440-461) é considerado por muitos historiadores o primeiro Papa de fato, no sentido moderno do título, porque foi o primeiro bispo de Roma a exercer e consolidar o primado universal sobre toda a Igreja. Antes, os bispos de Roma já eram respeitados e possuiam uma autoridade moral, mas não havia uma definição clara de que sua autoridade era superior à dos outros bispos. Foi Leão I que, em sua carta ao Patriarca de Constantinopla (Tomo de Leão, 449), declarou que o Papa é o sucessor direto de Pedro e tem autoridade sobre toda a Igreja.
No parágrafo inicial do Tomo, Leão I reforça que Pedro recebeu a primazia de Cristo e que sua autoridade continua viva na Igreja através do Bispo de Roma:
“A solícita e benévola dispensação divina quis que aquilo que foi pregado por meio de todos os Apóstolos tivesse como principal fundamento a autoridade do bem-aventurado Pedro, príncipe entre todos os Apóstolos, a fim de que, de sua estabilidade, fluísse a firmeza para todos os membros da Igreja.”
No texto acima citado, Leão I está dizendo que Pedro é a base da Igreja, e a autoridade dele continua sendo a garantia da unidade da fé cristã.
Posteriormente, o Tomo foi lido no Concílio de Calcedônia (451), onde os bispos aclamaram:
“Pedro falou pela boca de Leão!”
A fundamentação bíblica da doutrina elaborada por Leão I está na interpretação equivocada de Mateus 16:18-19, onde Jesus diz a Pedro:
“Então Jesus lhe afirmou: — Bem-aventurado é você, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que revelaram isso a você, mas meu Pai, que está nos céus. Também eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”
Dessa forma ele reforçou a crença de que o bispo de Roma era o legítimo sucessor de Pedro, que, segundo a tradição, teria sido o primeiro bispo da cidade. Assim, a autoridade papal não vinha apenas da função episcopal, mas da continuidade de um mandato divino.
Bonifácio III como Bispo Universal
Em 607 d.C., o imperador Focas, em conflito com o Patriarca de Constantinopla, Ciriaco, reconheceu oficialmente o bispo de Roma, Bonifácio III, como o único Bispo Universal da Igreja. Antes disso, o título de “Patriarca Ecumênico” (ou universal) estava sendo usado pelo patriarca de Constantinopla, o que foi visto como uma ameaça pelo papa Gregório I (o Grande) — que rejeitava esse título como arrogante e perigoso.
Quando Bonifácio III assumiu o cargo, ele buscou de Focas a confirmação do primado de Roma, e Focas, interessado em enfraquecer Constantinopla, oficializou o título em favor do papa de Roma.
Isso nos mostra que a autoridade papal foi sendo construída gradualmente, e o decreto de Focas foi um marco formal e político. Pela primeira vez, um imperador reconhecia explicitamente que o bispo de Roma tinha primazia sobre toda a cristandade. Ou seja, ali o papado como instituição centralizada, com poder universal sobre toda a Igreja, ganhou um reconhecimento legal e imperial.
As Falsas Decretais de Isidoro
Outro acontecimento importante no processo de construção da autoridade papal foram os documentos conhecidos como “Falsas Decretais” de Isidoro.
As Falsas Decretais são uma coleção de documentos e cartas atribuídas falsamente a papas antigos (dos primeiros séculos), supostamente reunidas por um certo “Isidoro Mercator”, no século IX. Essas decretas não são autênticas, mas foram apresentadas como se fossem parte da tradição jurídica e doutrinária da Igreja desde os tempos apostólicos.
Como as Falsas Decretais afetavam o poder do Papa?
As Falsas Decretais influenciavam os seguintes pontos:
- Aumentavam a autoridade do papa sobre os bispos e outras autoridades eclesiásticas.
- Afirmavam que o papa não podia ser julgado por ninguém, nem mesmo por concílios (base para o princípio: prima sedes a nemine iudicatur).
- Defendiam que apelações de decisões locais poderiam ser levadas diretamente ao papa.
- Enfatizavam a independência do clero em relação aos poderes civis e aos bispos locais.
- Esses documentos foram amplamente usados, especialmente a partir do século IX, para:
- Justificar a centralização da autoridade na figura do papa.
- Impedir que bispos fossem depostos por autoridades seculares ou locais.
- Sustentar reformas eclesiásticas no século XI, como a reforma gregoriana, que lutava contra a simonia e o controle secular da Igreja.
Constatação da falsidade desses documentos
Somente séculos depois, com o desenvolvimento da crítica textual e histórica, estudiosos notaram inconsistências:
- Termos e ideias que não existiam nos séculos aos quais os documentos supostamente pertenciam.
- Uso de fontes posteriores às datas alegadas.
- Citações de concílios ou autores que não existiam no período original.
Hoje é consenso entre os historiadores que as Falsas Decretais foram produzidas na França do século IX, talvez com a intenção de proteger o clero local contra abusos dos senhores feudais — mas acabaram servindo para concentrar poder em Roma.
Não há registro de sucessão apostólica na Bíblia
A única substituição de apóstolo registrada na Bíblia é a de Judas Iscariotes. Em Atos 1:21-22, Pedro explica que era necessário escolher alguém que tivesse acompanhado Jesus desde o início. Esse critério, já naquela época, restringia bastante quem poderia ser considerado apto a ser parte do grupo dos DOZE.
O primeiro apóstolo a ser martirizado foi Tiago, irmão de João, assassinado por ordem de Herodes Agripa I (Atos 12:1-2). Neste caso não há registro de qualquer tentativa de substituição, o que sugere que a substituição de Judas foi única e necessária para restaurar o número simbólico de DOZE antes do Pentecostes. O texto de Atos deixa claro que isso não é um regra geral de sucessão.
Ministério apostólico
O Novo Testamento sugere que o ministério apostólico continuou na forma de enviados da Igreja, muito semelhante ao papel que muitos missionários fazem nos dias de hoje. Paulo e Barnabé são exemplos de pessoas que foram enviadas como mensageiros com objetivo de expandir a Igreja.
Conclusão
O título de Apóstolo, reivindicado tanto pelo líder da Igreja Católica Romana quanto por muitos líderes neopentecostais, está mais ligado à busca por autoridade e poder do que ao verdadeiro ministério apostólico. A Bíblia deixa claro que o grupo dos DOZE apóstolos não teve sucessores, porém a missão apostólica — o papel de viajar pregando a Palavra de Deus e plantando igrejas — continuou e permanece até hoje.