Nos dias atuais, ouvimos frequentemente sobre avivamentos. Muitos cristãos evangélicos, inspirados pelos relatos de grandes avivamentos como o da Rua Azusa, nos Estados Unidos, anseiam por experiências extraordinárias: milagres, visões, profecias e outras manifestações do Espírito Santo. Porém, muitas vezes, esquecemos a essência da fé.
Muito do que os reformadores conquistaram com luta e sacrifício durante a Idade Média parece ter sido deixado de lado pela igreja contemporânea. Para compreender essa realidade, é essencial voltar no tempo e revisitar momentos cruciais de uma época em que o alimento espiritual, a Palavra de Deus, era inacessível para a maioria das pessoas.
Catolicismo Romano na Idade Média
A igreja medieval, consolidada no catolicismo romano, com seus templos suntuosos impôs aos cristãos um fardo pesadíssimo: controle social, obrigatoriedade de pagar impostos, como o dízimo, e uma série de desvios doutrinários em relação à Palavra de Deus.
Práticas antigas da cultura greco-romana foram incorporadas e adaptadas à doutrina cristã, promovendo um aculturamento de costumes pagãos. Além disso, o sincretismo, ou hibridismo religioso, dominou a igreja. Jesus deixou de ser visto como o único mediador, enquanto a figura do Papa emergia como representante de Cristo na Terra, considerado uma continuidade do apostolado, uma espécie de imperador cristão.
A maioria da população europeia falava línguas vernáculas, ou seja, dialetos regionais como o alto-alemão ou baixo-alemão antigo na Alemanha, o italiano vulgar na Itália e o catalão na Espanha. No entanto, a maior parte das pessoas era analfabeta. Apesar disso, a Bíblia era intencionalmente lida em latim clássico, tornando impossível para a maioria do povo compreender o que era proclamado na missa.
Além de tudo isso, havia a Inquisição, um tribunal eclesiástico que impunha punições severas àqueles considerados hereges.
Principais Conquistas da Reforma
A principal conquista da Reforma foi, sem dúvida, o acesso à Bíblia, a Palavra de Deus, traduzida para as línguas maternas. Para o povo da época, isso foi revolucionário, assim como o fim do controle social exercido pela igreja e o término do engano da venda de indulgências, prática que prometia a remissão de pecados em troca de pagamento.
Além disso, a Reforma Protestante impulsionou a alfabetização e a educação, pois o acesso direto às Escrituras exigia que as pessoas soubessem ler. Escolas foram criadas em várias regiões para ensinar não apenas religião, mas também outras disciplinas.
O conceito de sacerdócio universal reforçou a ideia de que cada pessoa poderia interpretar as Escrituras.
Legado Evangélico
Os evangélicos sempre foram reconhecidos como um povo profundamente ligado à Bíblia, conhecidos por seu compromisso com o conhecimento da Palavra de Deus. Desde os primórdios da Reforma, a educação e, em especial, a capacitação nas Escrituras, estiveram entre as principais preocupações dos reformadores.
Posteriormente, surgiu a Escola Bíblica Dominical (EBD), fundada por Robert Raikes em 1780, na Inglaterra, desempenhando um papel fundamental na educação cristã e na formação espiritual de inúmeras gerações.
A decadência do Ensino Bíblico
Efésios 6:17 diz: “Usem também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.” Mas para que serve uma espada nas mãos de um soldado que não sabe usá-la?
As Escrituras são a revelação de Deus para o homem, e o apóstolo Paulo as chama de espada do Espírito. Ela é viva e eficaz, mais cortante que uma espada de dois gumes, é luz para os nossos caminhos. São inúmeros os atributos associados à Palavra de Deus revelada através das Escrituras. Foi para nos dar acesso livre a essa Palavra que muitos foram martirizados, entre eles Ulrico Zuínglio. No entanto, hoje o estudo bíblico deixou de ser prioridade, e isso tornou o cristão evangélico vulnerável às falsas doutrinas e aos falsos profetas.
Conclusão
É possível ser médico sem estudar medicina? Ou matemático sem conhecer profundamente a matemática? O paradoxo cristão dos dias atuais é justamente este: ser cristão e não buscar conhecer a revelação deixada por Deus para nós. É a Palavra de Deus que liberta e transforma.
O movimento neopentecostal impulsionou o crescimento de um novo modo de cristianismo, marcado pela busca de experiências místicas, pela prosperidade a qualquer custo e intencional ignorância bíblica. Infelizmente, outros segmentos mais tradicionais da igreja evangélica tem adotado as mesmas práticas.
Precisamos manter os olhos abertos e retornar à essência. As igrejas comprometidas com a verdade precisam cumprir seu papel de equipar os cristãos com ferramentas que os capacitem a discernir entre um pastor verdadeiro e um lobo, entre princípios bíblicos e doutrinas criadas por homens gananciosos.
‘Procure apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade. ‘
2 Timóteo 2:15 NAA